terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Proibicionismo, uma droga de política.

Instituída por agremiações religiosas puritanas e cívicas estadunidenses no início do século XX, a conjuntura do decreto de leis e da repressão policial mostrou-se cara e imprópria para promover o bem-estar público, já que a produção de psicoativos cresceu, o comércio fortaleceu e seu consumo alavancou. Com viés xenofóbico, racista e moralista, essa utopia punitiva fracassou à medida que penalizou a todos os cidadãos com a edificação de seu maior herdeiro - o narcotráfico.

Conforme o filósofo Michel Foucault, é equívoco encarar “o problema das drogas em termos de liberdade ou proibição, pois aquelas constituem a cultura humana”. Sendo assim, o maquinário da ilegalidade possui consequências cujo custo social é alarmante: as razões socioeconômicas pelas quais levam as pessoas ao usufruto de substâncias químicas - as quais são recreacionais, arraigadas pela pobreza - não são postas em pautas de discussão; e, além disso, a ideia coibitiva engrenou uma produção de criminosos estúpida na qual os produtores, comerciantes e, sobretudo, os usuários foram rotulados e elevados à categoria de financiadores do crime.

De forma cínica e paradoxal, essa estratégia de abster arbitrariamente o vício abriu portas para que os seus suprimentos fossem escoados por traficantes violentos. E o que é pior: na tentativa de conter riscos à sociedade, condenaram-se comportamentos mil; seletivamente, a maioria dos “subversivos” foi associada às classes mais pobres da população (negros à cocaína, mexicanos à maconha, chineses ao ópio, bem como aos países emergentes em geral) e aos mais “desajustados” (contestadores e críticos sociais, artistas e aos hippies). Essa condenação política, por conseguinte, sujeito-se ao status de verdadeira credora do tráfico, e dividenda dos redutos de desvalidos.

As implicações internacionais são as grandes apoteoses do problema da legalização, visto que o mercado ilícito compõe 8% do comércio mundial, totalizando cerca de 600 bilhões de dólares anuais. Isto é, a proibição impulsiona o enorme comando de nações produtoras pelas desenvolvidas, com o patrocínio de programas de controle das drogas, visando à alimentação da indústria bélica por meio da war on drugs, cuja farsa - além de rentável para os megaempresários do setor - preconiza o problema não como uma questão de saúde social, mas sim de “justiça” criminal, estigmatizando-a preconceituosamente através de vielas, favelas e fronteiras. 

A descriminalização certamente não é a cura, mas um preventivo no qual devolveria o dinheiro desviado à economia formal - à proporção que removeria o narcotráfico -, formulando impostos, diminuindo indicadores de corrupção, criando políticas sociais de apoio aos usuários, ao mesmo tempo em que regularia as relações diplomáticas entres os países. Afinal, tornar-se-ia uma alternativa para equacionar os males do uso de psicoativos e os efeitos gerados pela proibição.

domingo, 9 de agosto de 2009

Amazônia consumida x desenvolvimento predatório: um paradigma insustentável.

Boom econômico. Colapso socioambiental. Fruto de um modelo desenvolvimentista arcaico e deletério, as consequências devastadoras do consumo desregrado dos ativos sociais na Amazônia imprimem a necessidade urgente de revisão dos paradigmas nacionais. O governo precisa optar entre a manutenção da nefasta cadeia de superexploração para o usufruto de poucos ou a transformação do Brasil em país-chave para a guinada rumo a um modelo econômico de base sustentável.

O efeito gangorra é resultado de tentativas imediatistas por melhoras nos indicadores socioeconômicos, respaldadas pela retirada de madeira e incrementação da atividade pecuária. A curto prazo, o IDH emerge; à longa data a biodversidade destruída, os conflitos sociais e a estigmatização de populações comprometem a imagem nacional.

A Amazônia se consolidou como eminente região produtora de carne bovina - sob expectativa de dobrar sua participação para dois terços do mercado até 2018 - a custo da instalação de megafrigoríficos financiados com recursos públicos subsidiados pelo BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - (da ordem de 6 bilhões de reais em 2008). No entanto, quase nada desse investimento foi destinado à recuperação de áreas degradadas por práticas extrativistas ou pecuaristas predatórias.

A recente regularização fundiária - que distribui mais de 60 milhões de hectares de terra na Amazônia - alimenta o ciclo vicioso do paulatino esgotamento dos recursos naturais, ao expandir o acesso legal de setores privados ao desmatamento em larga escala. Enquanto o ambiente é extirpado, as exportações e os lucros são alavancados. Concomitantemente ao progresso econômico e a concentração de renda na mão de poucos, a miséria e a marginalização crescem exponencialmente.

Inexoravelmente, é preciso reavaliar os padrões de crescimento em que se insere o país e reinventar os mecanismos de produção contemporâneos. É mister a coragem governamental em desbravar novos caminhos de desenvolvimento. O primeiro passo: o compromisso ético e a atitude sustentável; a conquista desejada: a economia fortalecida, somada à obtenção de uma qualidade de vida saudável e equânime para todos os canarinhos.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Corrupção, uma agremiação privada.

O Brasil hoje é organizado em três setores: o Governo, em que os recursos públicos têm fim comum; o mercado, no qual os bens pessoais voltam-se para o privado; e a cidadania, cujos investimentos particulares são aplicados à sociedade. Entretanto, pode-se verificar uma outra seção, onde os interesses individuais se sobrepõem aos coletivos - é a corrupção.

O iluminista Montesquieu, em "O Espírito das Leis", defendia que seria inerente ao homem, desde que usufruísse da autoridade, o uso ilícito da soberania. Por isso, propunha a divisão desta em três instâncias (Legistativo, Executivo e Judiciário), regulamentado por um conjunto de normas a que todos deveriam submeter-se: a Constituição. Esse maquinário, visto como uma forte arma contra o abuso do poder em vários países atuais, é o principal fonte da devassidão brasileira.

Isso porque as Instituições ligadas a esse sistema político são muitas e obsoletas. Desde a Constituição de 1988, os procuradores do Ministério Público, os parlamentares do Congresso, os delegados da Controladoria Geral da União e os auditores dos Tribunais de Contas possuem total independência de fiscalizar e investigar quaisquer resquícios de sabotagem. Por não terem tradição de punição, contudo, estes órgãos se perdem na liberdade que lhes são conferidas ante as brechas na qual a indecência se dissemina.

Acima da violência e pobreza, o suborno é o principal motivo de vergonha do brasileiro, sendo, além de peste moral, o responsável pelo possível aumento da miséria e criminalidade, manutenção da carga tributária, baixa competitividade financeira, redução da eficiência do Estado; por conseguinte, a corrupção ainda é considerada o mais cruel imposto inflacionário de que se tem notícia.

É imprescindível salientar que o aperfeiçoamento da democracia, o acesso à informação, a retração do crime organizado, a própria liberdade de imprensa, aliada à elevação dos índices de educação da população, permitem juntos um maior grau de exposição do mau uso dos bens públicos - tento, portanto, maior eficiência na construção de regras claras, estáveis e sólidas para a segurança jurídica, bloqueando a impunidade.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Ascensão social x degradação moral: uma mistura imiscível.

Em meio a desigualdades socioeconômicas visíveis, há um extenso e impalpável cordão ideológico que segrega o âmbito de acesso à riqueza e oportunidade, da árdua e dramática luta pela sobrevivência. Na tentativa de romper com as amarras que lhes impelem de ascender sociamente, centenas de mulheres trilham os caminhos da prostituição que compõem a rota do tráfico de pessoas por todo o mundo.

Enquanto o Brasil emerge economicamente, cerca de 3 milhões de indigentes - segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) - vivem à margem da sociedade, imersos na condição de miséria, além da negligência do Estado em assegurar-lhes o direito do respeito à dignidade humana. Em meio à tamanha vulnerabilidade social, a ilusória promessa de altos salários e melhores condições de vida seduz e induz jovens e adultas canarinhas a viajar para o exterior.

Pesquisas feitas pela Pesquisa Sobre o Tráfico de Mulheres Para Fins de Exploração Sexual no Brasil (Pestraf)  revelam que há 241 rotas de tráfico no País, sendo 131 delas com destinos internacionais, sobretudo a "Conexão Ibérica", composta por Portugal e Espanha. As "trabalhadoras do sexo" geralmente pertencem às classes mais populares, têm baixa escolaridade e moram nas periferias. Muitas vezes, podem ter sofrido abusos - estupro, sedução, abandono ou maus tratos - durante a infância ou adolescência.

A corrupção dos funcionários públicos que facilitam o tráfico pelas fronteiras, além da morosidade do Judiciário no julgamento dos casos e na punição dos culpados são fatores que viabilizam a manutenção do "sexonegócio". Guiadas por expectativas de progresso pessoal, jovens e adultas se deparam com uma realidade degradante e opressora. Sofrem agressões físicas e psicológicas provenientes dos aliciadores, que também obrigam-nas a trabalhar em condições subumanas, negando-lhes o direito de retorno ao país de origem.

A imagem nacional exortada pela mídia, a qual subordina o País ao tríplice clichê - praia, futebol e mulher bonita, permite a investida de empresários estrangeiros na nefasta exploração sexual. Bitolada pelo pertinente estilo "American way of life", a sociedade brasileira importa consumo e tecnologias e exporta gente, sonhos e a esperança ingênua de usar o corpo como ferramenta capaz de quebrar as algemas que resguardam uma realidade social frágil e estigmatizada.

Produto dos múltiplos contrastes: pobres em desgaste.

Poucas foram as economias, nessas últimas décadas, cujo desempenho tenha sido tão significativo quanto a brasileira. Em meio à sua ascensão financeira, contudo, a máquina nacional desenvolvimentista produziu também uma crescente discrepância em torno de um grande abismo socioeconômico: tornou-se o mais rico entre os países com maior número de pessoas miseráveis.

Segundo a especialista ianque Mollie Orshansky, “a pobreza, tal qual a beleza, está nos olhos de quem a vê”; há, entretanto, distinções entre pobreza e miséria (indigência). A primeira retrata uma linha na qual a renda pessoal não é suficiente para com os custos mínimos - vestuário, moradia, transporte etc.; a segunda informa um patamar daqueles cujo salário (quando recebe) não garante a necessidade mais básica: alimentar-se. Eis a prova de que o problema não é tão superficial assim, afinal isso ocorre numa ofuscada realidade na qual educação e saúde são fornecidas pelo Governo - ou pelo menos deveria ser.

Comparando os indicadores de 1970 aos de 2000, verificam-se transformações formidáveis do cenário plural da Nação, nas quais em nada se parecem com o mesmo País. Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), nesses 30 anos o PIB aumentou 85%, o número de domicílios com TV subiu 150%, assim como a presença de telefones nestes triplicou, seguido da frota veicular a qual quase quadruplicou. Contraditoriamente, os índices de miséria caíram de 17% para 14%, uma queda pífia ante o amadurecimento social, econômico e político registrado nesse curto período.

Os agravantes da questão dos flagelados sociais possuem ingredientes além da simplória escassez de recursos - problema no qual assola em maioria os Africanos. A fome, em geral, é resultado da ausência de alimentos; conquanto haja uma produção de grãos elevada anualmente no Brasil, onde boa parte é voltada ao mercado externo, há sobras de comida sem precedentes - cujo paradoxo é a carência de dinheiro por parte de uma fatia da população, retraindo inclusive os serviços do Terceiro Setor (assistencialista) o qual, unido à iniciativa pública com investimentos nunca antes aplicados, é aplacado pela má distribuição de bens.

A falta de mecanismos eficazes contra a concentração de renda e a inconsistente ausência de projetos sociais no Brasil fizeram-no aprofundar-se em arquipélagos de pobreza em meio a ilhas de prosperidade. O que contribuiu na formação de “brasis” divididos, convivendo instavelmente um dentro do outro, no qual existe um apartheid de consumo, uma cultura dispersa e uma política desorganizada - cujas raízes inibem uma evolução social da qual aquele necessita.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Cadeia para o pobre, impunidade para o rico: a máquina da injustiça que alimenta as desigualdades.

Embora teoricamente republicana, a sociedade brasileira é organizada sob uma estrutura hierarquizada, ideologicamente conservadora e propensa à defesa dos valores das elites. Como prova irrefutável dessa realidade, é mister citar a atuação falha e seletiva do Judiciário, que prima pela preservação patrimonial em detrimento da proteção da integridade física das camadas sociais menos favorecidas.

A Constituição - a qual garante (ao menos no papel) que "todos são iguais perante a lei" - é uma só para ricos e pobres, o mesmo ocorre com a Justiça; a diferença está na aplicabilidade. Esse panorama pode ser mais notório se aliado à visão neopositivista - que converte fatos em estatísticas - for lançado um olhar crítico sobre a vida em sociedade.


Comparando-se duas pessoas de modos de vida e classes sociais distintas, pode-se perceber que o código penal brasileiro criminaliza a pobreza. Maria Aparecida saiu há 4 anos do "Cadeião de Pinheiros", onde cumpriu pena após tentar roubar um xampu e um condicionador num supermercado. No presídio, a ex-empregada doméstica, portadora de retardo mental moderado, pagou pelo seu "crime": foi torturada física e emocionalmente, ficando cega de um olho.

Paralelamente a esse fato, a empresária Eliana Tranchesi - proprietária da butique de luxo Daslu - foi condenada em primeira instância a uma pena de 94 anos de prisão pela sonegação de quase 1 bilhão de reais em impostos, além de falsidade ideológica. Incrivelmente, após 24 horas de detenção, foi concedido-lhe um habeas corpus assegurando o direito de responder ao processo em liberdade.


Dois crimes distintos: o primeiro, contra o patrimônio (será mesmo que o roubo de um xampu é uma grave ameaça ao proprietário do estabelecimento?); o segundo, contra o sistema tributário. Duas reações diferentes: o acirramento da legislação para a punição dos mais pobres, em detrimento da omissão e contribuição do Judiciário para a manutenção do império da impunidade. Em meio a contradições evidentes, o clamor do povo se homogeiniza em uma só indagação: até quando a Justiça será injusta neste País?

sábado, 6 de junho de 2009

Sociedade latente, latifúndio crescente.

Em toda sua história, dos quais 3 séculos e 22 anos subordinados ao esclavagismo lusitano, há uma (única) nação cuja estrutura fundiária é semelhante ao de sua colonização. A partir desta, não houve abolição, proclamação, revolução, golpe, tampouco redemocratização que lhe fizesse dividir a terra, mantendo-a concentrada e conflagrada. Pelo descrédito dado ao seu maior desafio, uma questão: Brasil, um país de todos?

O dilema agrário está para a República tal como a escravidão, para a Monarquia; não há como negar que o Brasil alcançou certa libertação após tornar livres os escravos - rompendo, dessa forma, quaisquer fronteiras futuras quando não mais precisar discutir a propriedade. Contudo, o grande entrave - em meio à necessidade de uma reforma séria, com fundos dos quais não há disponibilidade nacional - é, ante a impossibilidade de fazer o máximo, recusar-se ao mínimo; afinal, o preço está na vitrine: macrocefalia urbana, criminalidade em alta, desemprego etc.

“É de bom tamanho,/ Nem largo nem fundo,/ É a parte que te cabe/ Deste latifúndio”. Essa condição poetizada por João Cabral iniciou-se com a sucessão das sesmarias e da abolição do tráfico negreiro, os quais tiveram como clímax o fim do Império - já que, enquanto a mão de obra era escrava, a terra era livre; quando aquela ficou assalariada, esta foi subjugada. Desde então, o País tornou-se o campeão em áreas condensadas no mundo, estendendo seu título ao Paraguai, onde muitos senhores de terras comandam seus feudos internacionais.

No entanto, estas não são as únicas razões pelas quais os latifúndios perduram até hodierno, pois, no caso das sesmarias, ela foi revogada há quase 200 anos. Tudo isso é resultado da balbúrdia em que se insere a política de terra, devido às seguintes questões impulsionadas pela Lei de terras de 1850: primeiro, os latifundiários preferem o congresso às suas propriedades, trabalhando em prol de seus interesses no parlamento; segundo, o campo fica ocioso porque o maior lucro advém não do plantio (exceto a soja), mas sim da criação bovina; terceiro, é a isenção de impostos; a maior revolta, por fim, é o agronegócio, setor que sucumbiu a reforma agrária.

As revoluções agrárias caminham, por conseguinte, na contramão da História. Os "beneficiados" com as desapropriações e distribuições em pequenos assentamentos são alvos da paupérrima competitividade no mercado, visto que a estrutura que lhes são conferida não engrena a produção - devolvendo-os às filas da exclusão. Enquanto o Brasil for um País de todos os poucos elitistas, montar uma nova base fundiária que seja socialmente justa, economicamente viável e politicamente eficaz será lograda apenas como quimera.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Resgate cultural: do mangue "inóspito" às periferias urbanas.

 Fruto da funesta dependência em relação à ideologia europeia, a identidade cultural canarinha sucumbiu ao desgaste e ao descrédito por mais de 4 séculos. Numa tentativa audaciosa de resgate às raízes da história brasileira e da conscientização social, surgiu em meio à lama das desigualdades e ao caos da marginalização, um eclético estilo musical: o manguetown.

Da aparente imiscível mistura entre ritmos distintos - maracatu, coco, baião, jovem guarda, samba, etc - e a motorização da sonoridade por efeitos eletrônicos, os "mangueboys" (em especial a banda Nação Zumbi) fizeram dos anos de 1990 uma década de efervescência cultural, levando às massas populares informatividade e incentivo à quebra de paradigmas sociais.

Sob um ambíguo enfoque regionalista e universalista, os ecossistemas dos manguezais recifenses serviram de inspiração para o movimento. Em meio a exorbitantes índices de desemprego, mais da metade da população urbana vivia em favelas e "alagados". Numa alegoria a essa pútrida realidade social, desabrochavam críticas contundentes contra o sistema econômico excludente ("A cidade não para/ A cidade só cresce/ O de cima sobe e o de baixo desce").

A combinação entre arte e crítica aos valores pré-estabelecidos - hibernados no meio musical desde o AI-5, na ditadura - se apropriou do "lamaçal" cultural para desembaçar o espelho-Brasil que há muito tempo perdera seu fulgor. Alcançando abrangência e aceitação, o mangue bit foi a manifestação precursora de um ideário que só faria crescer dali em diante. Da periferia paulistana emergiu o hip-hop; dos morros cariocas, o funk; do âmbito cinematográfico filmes como "Cidade de Deus".

A arte, com toda a sua vivacidade deve servir como agente transformador do inconsistente panorama social contemporâneo. Não importa sua origem, se da lama ou das lonas (barracões), do insolúvel (pobreza e marginalidade) ou indissociável, ela tem uma responsabilidade a cumprir: manter acesas as brasas da revolução por cima das cinzas da ignorância, que ainda ameaçam a identidade nacional a auto-destruição.

sábado, 30 de maio de 2009

Dignidade morta, economia viva: as duas faces da mesma moeda.

A intrínseca e indissociável relação entre capital e trabalho - alimentada pela coexistência da modernização tecnológica em meio a modelos arcaicos de produção - constitui o mais dramático estigma herdado do sistema econômico vigente: a escravidão contemporânea.

Na batalha pelo acúmulo exponencial de riquezas visando à viabilização da concorrência na economia globalizada, os interesses individuais se sobrepõem aos coletivos. Em meio à discrepância entre a oferta de empregos e o número de empregados, cresce progressivamente o exército de reserva da mão de obra. Compondo a milícia da pobreza, centenas de trabalhadores são submetidos a condições degradantes de serviço e impelidos de romper relações com o empregador, sob ameaça de torturas de todos os gêneros.

Numa relação quase "amensálica", os senhores das terras aproveitam-se da excedente força de trabalho para depreciar o custo monetário com os seus subordinados, desviando tais recursos para proporcionar o "boom" da mecanização de terras agrícolas e da expansão mercadológica capitalista. Como defendia Karl Marx, "o morto apropria-se do vivo", com a contribuição do Estado - através de incentivos fiscais, subsídios e falta de rigor na punição a atentados aos direitos humanos - para a acentuação das desigualdades sociais.

Erradicar a superexploração dos trabalhadores requer tempo e compromisso. Como apanacéia para esse dramático problema, faz-se necessária a socialização (através da reforma agrária) dos meios de produção, visando à reestruturação do sistema opressor e cerceador da liberdade e à conversão gradativa do batalhão da pobreza no esquadrão das oportunidades.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

"Lesa-Amazônia", lesa-pátria.

Está aberta a sessão. Em xeque, mais um extremo daqueles cujo paradoxo atribuí ao País seu aposto maior: Brasil, o emergente. De um lado, a ostentação de possuir uma das mais avançadas legislações contra crimes ambientais do mundo; do outro, a ineficiência do aparelho jurídico encarregado de aplicá-la com rigor; no centro, o personagem mais afetado com a lei estagnada no papel: a Amazônia Legal.

Dou-lhe uma. O maior entrave dessa contradição está na evasão do Ibama em fiscalizar e multar os infratores devido ao mal preparo dos juízes, seguido do drama como os processos são arrastados. Isso porque os magistrados desconhecem as leis ambientais, compensando sua ignorância através da aplicação de outros códigos aos quais se opõem tanto ao intuito dos ambientalistas - já que em metade dos casos as armas do crime são devolvidas aos criminosos -, quanto ao postulado primaz do Direito.

Dou-lhe duas. Os membros do júri explicam à sociedade sua desculpa: há pouco tempo, não havia cursos de Direito Ambiental nas Instituições de ensino superior, tampouco era assunto exigido nos concursos públicos. Sendo assim, não basta ao País apenas ser portador de leis boas e modernas, se as regras do processo civil e penal e os representantes responsáveis pela aplicação da ordem são estritamente inócuas e arrogantes.

Dou-lhe três. Outros argumentos jurídicos utilizados na defesa dos "senhores das madeireiras" são as alegações de que o "bem" apreendido (trator, motosserra etc) é muito superior à multa cobrada, além da falta de estrutura judicial na preservação desses equipamentos, assim como serem estes os instrumentos de trabalho. Os cavalheiros da justiça falam, mas a Amazônia não ouve, posto que o desmatamento ilegal supera 80% do total - e, quando há redução, é influência direta da queda dos preços agrícolas.

Veredicto final. A ausência de especialização do judiciário em casos ambientais e a pouca responsabilidade para julgar a destinação dos bens atrapalham a punição eficaz. Afinal, a carência de um padrão unitário de decisão, o qual deveria ser formulado de cima para baixo (pela Corte Suprema), acarreta, nessa selva perene de exploração ilícita das áreas protegidas, numa depreciação do judiciário - mantendo esta sessão ainda em aberto.

sábado, 23 de maio de 2009

Trabalho infantil: problema ou solução?


A maioria dos problemas políticos, sociais e econômicos enfrentados pela sociedade contemporânea são fruto do pensamento capitalista, que estimula a produção de riqueza por pessoas que são impedidas de usufruírem-na. Pior ainda quando se fala em trabalhadores infantis, que são milhões ao redor do mundo.

O trabalho infantil não é um fenômeno recente no Brasil. Desde o início da colonização, as crianças negras e indígenas eram submetidas ao trabalho. Com a revolução industrial no final do século XIX, novas formas de divisão do trabalho facilitaram a inclusão da mão-de-obra infantil a custos mais baixos, principalmente na indústria têxtil. A partir do século XX, a urbanização promoveu uma ampliação ainda maior nos ramos de atividade para as crianças.

Atualmente, estima-se que há mais de 350 milhões de crianças e adolescentes menores de 18 anos economicamente ativos no mundo e cerca de 5 milhões no Brasil, empregados em atividades mal-remuneradas ou submetidos ao trabalho escravo. As principais causas do trabalho infantil no país são: a excessiva concentração de renda, a precarização das relações trabalhistas e o papel que a sociedade atribui ao trabalho, vendo-o muitas vezes de forma tolerável e, às vezes, desejável.

O percentual de “pequenos trabalhadores” na zona rural é maior que nos centros urbanos. Nos canaviais, na cultura do sisal ou nas plantações de fumo, crianças e jovens se expõem ao manejo de ferramentas cortantes e tóxicas, colocando em risco sua própria saúde. Na zona urbana, boa parte das crianças está empregada no setor informal, seja vendendo produtos nos semáforos, engraxando sapatos ou se prostituindo em estradas, boates e casas de show, influenciadas muitas vezes pelos próprios pais.

Portanto, embora o trabalho de menores seja usado como estratégia de sobrevivência à fome, à miséria e à marginalidade, ele aprofunda a desigualdade social e prejudica o desenvolvimento físico, psicológico e social na infância. Criança que trabalha não estuda bem, não vive bem. Trabalho infantil não é solução. É problema para a criança e para a sociedade.

domingo, 17 de maio de 2009

Brasil: ordem e progresso a que custo?

Há três catapultas que impulsionam e lançam a violência a níveis cada vez mais alarmantes em nosso país: a ineficiência do Estado em implementar políticas públicas de segurança eficazes; a corrupção e o despreparo policial; bem como a omissão e resignação do Judiciário - ao arquivar processos contra o abuso aos direitos humanos, além de absolver possíveis responsáveis por tais crimes.

Não há como negar que o Brasil presencia uma interminável guerra civil. De um lado, facções criminosas, (cuja imponência é alimentada pelo "narcoconsumo" das classes médias e altas da sociedade) que comandam a partir do âmbito intra-carcerário ações urbanas nefastas que disseminam o pânico entre a população; do outro, a Polícia Militar, que em contra-ataque a tais atentados e na busca pela manutenção da "ordem", age muitas vezes de forma leviana, executando sumariamente cidadãos inocentes, destruindo famílias e mutilando a esperança daqueles que almejam um futuro de paz para a nação.

Em 2006, um episódio conhecido como Maio Sangrento assolou São Paulo. Os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital), através de rebeliões nos presídios, invasões de agências bancárias e queima de centenas de ônibus, motivaram uma reação policial à altura. Nos dias subsequentes ao incidente, o índice de mortes violentas alcançou a margem de 483 registros. Os principais agressores: policiais; a maioria das vítimas: cidadãos jovens e pobres sem nenhum antecedente criminal.

Tão difícil quanto enfrentar a dor e a revolta pela perda de parentes e amigos, é saber que a violência é proporcional à impunidade em nosso país. Pior ainda é ter a certeza de que enquanto reinar o ostracismo através de uma guerra injusta - além da falta de compromisso efetivo dos três poderes com o âmbito social e a esfera pública - o jargão da bandeira nacional deve ser vislumbrado apenas como uma utopia.

sábado, 16 de maio de 2009

A mão invisível e onipresente do capitalismo.

O homem há muito tempo ambiciona as commodities de vários recursos naturais: metais preciosos, fontes de energia, água etc. Contudo, o maior desafio da década, frente aos problemas paralelos de abastecimento energético, está em torno do pouco auspicioso terremoto cujo epicentro visa à conciliação da tragédia trinomial ao qual o sistema submete-se a enfrentar: ambiente e social versus economia.

Ao contrário das superficiais análises midiáticas, a crise não é a quebra de bancos, de hipotecas do setor imobiliário, tampouco a falência das montadoras, mas sim um produto de especulações os quais ficam à mercê da manutenção espoliativa de juros obscenos acometidos pelos grandes investidores. Os níveis altos dos derivados de derivativos, munidos aos burocráticos sistemas de
impostos, resultam nesta selva financeira em que os seus próprios autores estão perdidos.

O problema é que esses intermediários econômicos, em vez de servir bem ao capitalismo, passaram a bem se servir deste por três ações: primeiro, escravizaram a auditoria, substituindo-a pela consultoria; depois, enterraram as empresas de avaliação de riscos com a supervalorização de suas opiniões; por fim, puseram no lixo os sistemas públicos de regulação ao passo que engajaram nas eleições, criando novas leis por intermédio de seus protegidos políticos.

Enquanto prevalecer esse maquinário político, cuja única vocação é acumular o máximo de benefícios em ínterim mínimo, a implantação de uma possível solução que respeite o meio ambiente através de um “New Deal green” será utópica. Afinal, os capitalistas sempre defenderam uma expansão exponencial sem precedentes do consumo de energia, um verdadeiro oxímoro à união econômica socioambiental.

O sistema capitalista está fadado às mais variadas contradições entre seus precursores, suas “colônias emancipadas” e os blocos econômicos aos quais pertence - pois, enquanto os interesses dos neoliberais, keynesianos ecológicos e protecionistas não convergirem, aquele continuará fraco, frágil, com pouca profundidade social e econômica - respingando futuras tsunamis financeiras de tempos em tempos.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Violência intrafamiliar: um caso de saúde pública.

Subordinação. Impunidade. Patriarcado. A agressão doméstica, uma das deturpações mais frequentes no Brasil, é vista como instrumento para a resolução de conflitos familiares, cujo alvo principal são as mulheres. Por isso, além de política e jurídica, essa coerção é também questão de saúde, na qual a omissão - fruto da submissão feminina - prevalece sobre a arcaica cultura vigente.

Nos mais variados contágios (moral, institucional, patrimonial etc), a violência intrafamiliar focaliza dois panoramas: o indicador corporal, caracterizado pelas lesões lascivas; e o plano psicológico das vítimas, que são considerados pequenos assassinatos diários desprovidos de marcas físicas. A ocultação é resultado desse mecanismo, assim como à dependência financeira e emocional, ao medo, à vergonha e sobretudo à resignação - impedindo àquelas o direito à cidadania.

Além disso, a coação domiciliar fundamenta um ciclo vicioso organizado em três momentos, com variações de tempo em torno de meses a anos: primeiro, o ponto taciturno, onde há apenas o acúmulo de atritos entre o casal; segundo, o período de agressão, iniciado pela descarga descontrolada de toda a tensão antes acumulada; por fim, a reconciliação, na qual o agressor promete mudança de comportamento. Conforme as fases vão ocorrendo, verifica-se maior violênica a curto prazo.

A subserviência nas relações humanas é, pois, pivô dos desequilíbrios acerca da estrutura familiar, inclusive funcionando como agente que incrementa a violência. Portanto, a igualdade de gênero por meio da criação de políticas públicas transversais em ação conjunta com os órgãos de defesa da mulher, associados aos trâmites legais da Justiça - que deveriam ser ágeis e limitados -, rechaçaria aumento nesses crimes, à medida que os tornariam menos impunes.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O analfabetismo político em meio ao bê-á-bá da corrupção.

Nepotismo. Extorsão. Tráfico de influência. Apesar de grande parte da população brasileira não ter conhecimento do significado desses termos, estes servem apenas para exemplificar e realçar um problema que compromete seriamente o desenvolvimento do país: a corrupção.

Derivado do latim “corruptus”, o verbo corromper significa “tornar podre”. Práticas como a sonegação de impostos, pagamento de propinas (subornos) e burla de licitações públicas, estão presente de forma demasiada e desenfreada no cotidiano brasileiro, sendo muitas vezes ignoradas e até executadas por parte da população.


A corrupção tem raízes profundas e históricas na formação do Estado brasileiro. No período colonial, o nepotismo - favorecimento de parentes e amigos em relação à nomeação ou elevação de cargos) - era uma prática muito comum. Com o advento da República, os coronéis - grandes proprietários de terra - garantiam seu poder político ao impedirem que seus empregados votassem em outros candidatos e ao realizarem a compra de votos.

Atualmente, cerca de 5% do PIB nacional, que poderia ser destinado a políticas de investimento em educação, saúde e infra-estrutura, é desperdiçado através do desvio da renda pública. Além disso, práticas de extorsão (chantagem política em troca de benefícios)  e de tráfico de influência (compra e venda de sentenças judiciárias e ganho de presentes de alto valor por autoridades) são muito comuns. O analfabetismo político, ou seja, o quase total interesse da população pela esfera pública, contribui com a impunidade em relação a práticas ilícitas.

Portanto, o problema de corrupção resulta da falta de controle, de punição e cumprimento das leis. Atitudes ilegais, desde as mais simples às mais complexas, não devem ser toleradas pelo poder judiciário nem pela sociedade civil. Além disso, faz-se necessária uma relação de transparência - por meio da informação livre - entre os governos e a população, a fim de que a espoliação seja convertida em benefícios para a vida coletiva.

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