quinta-feira, 9 de julho de 2009

Ascensão social x degradação moral: uma mistura imiscível.

Em meio a desigualdades socioeconômicas visíveis, há um extenso e impalpável cordão ideológico que segrega o âmbito de acesso à riqueza e oportunidade, da árdua e dramática luta pela sobrevivência. Na tentativa de romper com as amarras que lhes impelem de ascender sociamente, centenas de mulheres trilham os caminhos da prostituição que compõem a rota do tráfico de pessoas por todo o mundo.

Enquanto o Brasil emerge economicamente, cerca de 3 milhões de indigentes - segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) - vivem à margem da sociedade, imersos na condição de miséria, além da negligência do Estado em assegurar-lhes o direito do respeito à dignidade humana. Em meio à tamanha vulnerabilidade social, a ilusória promessa de altos salários e melhores condições de vida seduz e induz jovens e adultas canarinhas a viajar para o exterior.

Pesquisas feitas pela Pesquisa Sobre o Tráfico de Mulheres Para Fins de Exploração Sexual no Brasil (Pestraf)  revelam que há 241 rotas de tráfico no País, sendo 131 delas com destinos internacionais, sobretudo a "Conexão Ibérica", composta por Portugal e Espanha. As "trabalhadoras do sexo" geralmente pertencem às classes mais populares, têm baixa escolaridade e moram nas periferias. Muitas vezes, podem ter sofrido abusos - estupro, sedução, abandono ou maus tratos - durante a infância ou adolescência.

A corrupção dos funcionários públicos que facilitam o tráfico pelas fronteiras, além da morosidade do Judiciário no julgamento dos casos e na punição dos culpados são fatores que viabilizam a manutenção do "sexonegócio". Guiadas por expectativas de progresso pessoal, jovens e adultas se deparam com uma realidade degradante e opressora. Sofrem agressões físicas e psicológicas provenientes dos aliciadores, que também obrigam-nas a trabalhar em condições subumanas, negando-lhes o direito de retorno ao país de origem.

A imagem nacional exortada pela mídia, a qual subordina o País ao tríplice clichê - praia, futebol e mulher bonita, permite a investida de empresários estrangeiros na nefasta exploração sexual. Bitolada pelo pertinente estilo "American way of life", a sociedade brasileira importa consumo e tecnologias e exporta gente, sonhos e a esperança ingênua de usar o corpo como ferramenta capaz de quebrar as algemas que resguardam uma realidade social frágil e estigmatizada.

Produto dos múltiplos contrastes: pobres em desgaste.

Poucas foram as economias, nessas últimas décadas, cujo desempenho tenha sido tão significativo quanto a brasileira. Em meio à sua ascensão financeira, contudo, a máquina nacional desenvolvimentista produziu também uma crescente discrepância em torno de um grande abismo socioeconômico: tornou-se o mais rico entre os países com maior número de pessoas miseráveis.

Segundo a especialista ianque Mollie Orshansky, “a pobreza, tal qual a beleza, está nos olhos de quem a vê”; há, entretanto, distinções entre pobreza e miséria (indigência). A primeira retrata uma linha na qual a renda pessoal não é suficiente para com os custos mínimos - vestuário, moradia, transporte etc.; a segunda informa um patamar daqueles cujo salário (quando recebe) não garante a necessidade mais básica: alimentar-se. Eis a prova de que o problema não é tão superficial assim, afinal isso ocorre numa ofuscada realidade na qual educação e saúde são fornecidas pelo Governo - ou pelo menos deveria ser.

Comparando os indicadores de 1970 aos de 2000, verificam-se transformações formidáveis do cenário plural da Nação, nas quais em nada se parecem com o mesmo País. Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), nesses 30 anos o PIB aumentou 85%, o número de domicílios com TV subiu 150%, assim como a presença de telefones nestes triplicou, seguido da frota veicular a qual quase quadruplicou. Contraditoriamente, os índices de miséria caíram de 17% para 14%, uma queda pífia ante o amadurecimento social, econômico e político registrado nesse curto período.

Os agravantes da questão dos flagelados sociais possuem ingredientes além da simplória escassez de recursos - problema no qual assola em maioria os Africanos. A fome, em geral, é resultado da ausência de alimentos; conquanto haja uma produção de grãos elevada anualmente no Brasil, onde boa parte é voltada ao mercado externo, há sobras de comida sem precedentes - cujo paradoxo é a carência de dinheiro por parte de uma fatia da população, retraindo inclusive os serviços do Terceiro Setor (assistencialista) o qual, unido à iniciativa pública com investimentos nunca antes aplicados, é aplacado pela má distribuição de bens.

A falta de mecanismos eficazes contra a concentração de renda e a inconsistente ausência de projetos sociais no Brasil fizeram-no aprofundar-se em arquipélagos de pobreza em meio a ilhas de prosperidade. O que contribuiu na formação de “brasis” divididos, convivendo instavelmente um dentro do outro, no qual existe um apartheid de consumo, uma cultura dispersa e uma política desorganizada - cujas raízes inibem uma evolução social da qual aquele necessita.

 
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